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MINHA EXPERIÊNCIA NO VIPASSANA

  • Foto do escritor: Marcelo Rondon Xavier
    Marcelo Rondon Xavier
  • 26 de abr. de 2023
  • 5 min de leitura

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Fonte: Canva


Você já se imaginou limpando o banheiro de uma pessoa que nunca viu? Ou dormindo no mesmo quarto de um desconhecido? Sim, foi isso que presenciei em um curso de meditação Vipassana.

Em fevereiro, fui me consultar com um novo médico recomendado por um amigo buscando uma alternativa aos meus problemas com sono. Uso medicação para dormir e queria uma nova forma de descansar, porém mais natural. Para minha surpresa, ele me disse na consulta "você não precisa de mim, precisa meditar" e me recomendou a meditação Vipassana. Fui pesquisar e descobri a existência de um curso de 10 dias (um retiro em silêncio) onde a técnica é ensinada. Conversei com alguns amigos que fizeram e recomendaram também, porém dizendo que era muito difícil ser aceito, pois a procura é elevada e existia fila de espera.

Comecei a pesquisar e me inscrevi, sem expectativas de ser chamado. Fazem uma anamnese bem profunda e várias questões referentes a comportamento, histórico de questões mentais, ansiedade, depressão, etc. Respondi a todas contando o que já tive e me informaram que fui aceito, porém em lista de espera. Para minha surpresa, alguns dias depois fui chamado para a turma de 12/04/23.

Tentei me preparar psicologicamente e pesquisei alguns livros e vídeos para ter uma melhor ideia. São basicamente 10 horas de meditação por dia e os participantes, em nenhum momento, podem ter contato com os outros, seja verbal, físico ou até mesmo olhares. Para mim, que sou comunicativo e adoro me relacionar, seria um desafio, mas também uma oportunidade de experimentar como seria essa sensação.

Chegamos no local, em Santana do Parnaíba, um dia antes à tarde. A propriedade, uma espécie de sítio, fica no meio da mata e é muito agradável, com bastante verde, flores, passarinhos e borboletas. Fomos acomodados nos alojamentos, recebemos instruções e pudemos falar um pouco com os demais participantes. Existe uma separação entre homens e mulheres e não há mais contato. As refeições são feitas em um espaço totalmente branco e você come olhando a parede apenas com seu nome escrito. Tudo é planejado para que não haja nenhuma distração.

Por volta de 19:00 foi feita uma palestra inicial e começou o nobre silêncio, como é chamada essa prática. Fomos para a sala de meditação e começou o processo. Todo o curso é ministrado em áudios de S.N. Goenka, o criador da instituição (falecido em 2013) e acompanhado por um professor assistente presencialmente. Neste dia, inicia-se o aprendizado do Anapaña, uma técnica preliminar de meditação ao Vipassana, que seria praticada nos três dias seguintes.

A hora do sono é sempre complicada para quem tem insônia. Confesso que este nunca é um momento agradável para mim. Começa uma tensão, uma ansiedade e esse era um tema que eu precisaria lidar por lá. A primeira noite foi praticamente em claro até às quatro da manhã, quando tocava o sino para todos acordarem e começarem a meditar às 4:30. Foi um processo bem interessante, pois estava em um lugar com condições ideais para a prática - calmo, silencioso, agradável. Isso ajuda em muito na concentração e no aprendizado da técnica.

São mesmo 10 horas de meditação por dia. Uma coisa posso afirmar aqui: foi o curso mais prático que fiz na vida, com a proposta de aprender fazendo. Isso reforçou em mim o fato de que efetivamente internalizamos e aprendemos efetivamente o que praticamos e não o que ouvimos alguém falar.

Falando um pouco de sentimentos. Os períodos de intervalos de café, almoço e lanche da tarde eram bem complexos para mim. A sensação de estar consigo mesmo, apenas com os pensamentos em alguns momentos era agoniante. Não é permitido levar livros nem escrever, o que torna a passagem do tempo muito, muito lenta. Nesse momento, pude perceber algumas coisas que, em muito estão relacionadas com o artigo Momentos Sabáticos que escrevi recentemente.

1. Concentração total na atividade: na hora de comer, percebi o quão rápido eu como no dia a dia. Comecei a comer devagar, com garfadas menores e maior tempo de mastigação, prestando atenção. Minha meta a cada dia era usar o máximo de tempo possível nesta atividade, de modo a diminuir a ansiedade de não ter o que fazer. Desta forma, notei uma saciedade maior, mesmo comendo em menor quantidade, processo de digestão melhor e nenhuma sensação de fadiga ou cansaço à tarde. É bem interessante comprovar, na prática, o que sabemos na teoria mas, muitas vezes, não aplicamos.

2. A meta de eficiência foi revista. Quando pensamos em metas, logo vem à cabeça fazer tudo no menor tempo, entregar os melhores resultados, alcançar todos os objetivos de forma inovadora… eu estava em um local com tempo e sem ter o que fazer. Eram permitidas caminhadas ao redor da mata em uma pequena trilha e minha meta era fazer este trajeto em tempos cada vez menores. Para isso, comecei a caminhar mais devagar, prestar mais atenção às plantas, flores e borboletas e ao meu próprio jeito de andar. É impressionante como, a cada percurso, eu percebia coisas novas, sutis e belas. Desacelerar me fez ver com mais clareza.

3. Controle: um dos meus objetivos de vida é diminuir minha necessidade de controle dos fatos, das coisas, até porque não temos mesmo e, achando que isso é possível, eu apenas sofro. Lá, isolado, e sem comunicação, percebi o quanto sou dependente desta sensação. O fato de não saber de nada do mundo exterior, notícias da Luiza, das crianças, da família, me afligia, gerava tensão, ansiedade e aflição. Realizei, com essa experiência, o caminho longo que tenho para percorrer neste aspecto, mas com uma clareza maior de como fazer ou, no caso de controle, deixar de fazer.

4. Como minha mente não está quieta ainda. Com o passar dos dias, a ansiedade nos momentos de intervalo aumentava e fui tentando achar mais atividades, como lavar roupas, varrer o chão e ansiava pelo meu momento de limpar os banheiros. Quem me conhece sabe o quanto odeio fazer limpeza em casa. Nesse momento percebi que, apesar de ter caminhado com algumas frentes, como não ter notificações no celular, fazer uma coisa por vez, respirar, Yoga, esportes, minha mente ainda é muito, muito agitada. Foi, de certo modo, até uma surpresa, pois achei que passaria de forma mais tranquila por essa quietude compulsória que passamos neste curso.

5. Como tenho um problema na coluna lombar, a posição clássica de meditação não é das mais confortáveis para mim. No curso, aprendi que poderia variar e encontrar uma posição cômoda e agradável e comecei a praticar. Encontrei uma excelente que, sem dúvidas, irá me ajudar a praticar mais em casa. Podemos levar esta lição para nossas atividades e desafios. Às vezes, mudar o ponto de vista, olhar por outro ângulo transforma um desafio insuperável em uma atividade factível e prazerosa.

Eu consegui ficar 5 dos 10 dias de curso. Havia combinado comigo mesmo que, se chegasse a um determinado nível de aflição ou ansiedade, voltaria para casa e isso aconteceu. No quinto dia não conseguia me concentrar nas meditações, perdi o apetite e estava o tempo todo muito aflito. Neste momento, decidi sair e retornar. Não consegui aprender 100% da técnica, mas considero uma das principais experiências de autoconhecimento que já tive na vida. Uma imersão em mim mesmo e com resultados muito claros que levarei daqui para frente. Já no caminho de volta a São Paulo percebi como estava mais leve, mais atento ao trânsito, mais presente. Aos poucos fui me reconectando de uma outra maneira, com outra intensidade e intenção. Quero manter estes hábitos no dia a dia, pois considero que estão muito alinhados com o que busco para minha vida e também conceitos que "conversam" com o livro que estou escrevendo. Quem sabe também uma mudança em relação aos meus conceitos arraigados de que não gosto de fazer limpeza. Será?


 
 
 

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